Todo mundo quer ter uma mente tranquila.
Se preocupar apenas o necessário, com as coisas que realmente importam.
Ao invés de viver com uma sobrecarga mental, se corroendo por dentro diante das pequenas coisas.
Eu já fui essa pessoa.
Aquela que sofre diante de toda decisão que precisa ser tomada, que repensa cada coisa que fez ou falou, que deixa a ansiedade tomar conta ao pensar sobre o que gostaria de conseguir fazer ou o que está para acontecer.
Diante das preocupações, eu tentava me planejar mais, me organizar melhor, me certificar com outras pessoas que tudo daria certo, repetir para mim mesma que não precisava me preocupar. Porém, quanto mais eu tentava seguir dessa forma, mais as preocupações apareciam.
Esse padrão sobrecarregava a mim, mas também a algumas pessoas à minha volta.
E, por um bom tempo, achei que ser uma pessoa que se preocupa demais com tudo era simplesmente o meu jeito de ser.
Até que entendi que não. Era um padrão característico de pessoas mais ansiosas e que, sim, era possível mudar.
Se você deseja viver com mais qualidade, ter uma mente mais tranquila e diminuir o estresse na sua vida, você precisa aprender a lidar melhor com as suas preocupações.
Como se preocupar apenas o necessário
Acredito que faz cerca de um ano e meio ou dois que tenho conseguido levar as coisas com mais leveza, me preocupando o necessário e conseguindo contornar com mais habilidade quando os pensamentos parecem querer tomar um rumo descontrolado.
No início, achei que era por maturidade. Brincava que estava sentindo os efeitos de um córtex pré-frontal plenamente desenvolvido – o que ocorre por volta dos 25 anos. Mas, se fosse só isso, não haveria tantas pessoas acima dessa idade que sofrem por se preocuparem demais.
Então, passei a buscar entender quais foram as habilidades que desenvolvi para que isso fosse possível.
E a primeira coisa que você precisa entender é que, por mais incontrolável que pareça, se preocupar demais é um hábito.
A arte de criar problemas que não estão lá
“Sofremos com mais frequência na imaginação do que na realidade” – Sêneca, cartas 13.4
Planejar e se preparar para o futuro é um dos dons mais incríveis do ser humano. Porém, quando essa habilidade de antecipação é mal utilizada, surgem medos, preocupações e ansiedades, muitas vezes desconectados de interpretações da realidade.
A preocupação é um encadeamento de pensamentos carregado de afeto negativo (você não vê alguém se preocupando em como lidar caso dê tudo certo), que representa uma tentativa de encontrar uma solução mental para problemas cujo resultado ainda é incerto, mas envolve a possibilidade de um ou mais desfechos negativos.
O aspecto problemático da preocupação ocorre quando esse padrão se torna exagerado, aumentando demasiadamente a hipótese de resultados negativos.
As coisas se tornam ainda mais difíceis quando, além de exagerar a possibilidade de desfechos negativos, você menospreza a sua capacidade de lidar com essas situações.
Aí o desequilíbrio na balança atinge proporções perigosas.
De um lado, temos os problemas e situações que o preocupam, vistos de maneira exageradamente difícil e negativa; de outro, a sua capacidade em enfrentar e solucionar estes problemas, sendo menosprezada por você mesmo.
Então, o resultado que temos é: você percebe os problemas como mais desafiadores do que realmente são e se vê como pouco capaz de lidar com estes problemas.
Um você distorce para mais, e outro, para menos.
Com esse cenário, percebe como é, no mínimo, natural uma enxurrada de preocupações?
Já vamos falar sobre como organizar as coisas e equilibrar essa balança. Mas, imagino eu, que você esteja um pouco inconformado com a ideia de que se preocupar demais seja um hábito.
É algo que gera tanto sofrimento, como pode ser algo que você escolhe fazer consigo mesmo?
Parece tão difícil de controlar. Afinal, você já tentou mudar, mas não teve resultado. Não pode ser apenas um hábito como qualquer outro.
E, em parte, você está certo. Não é um hábito simples, como passar a tomar mais água; é realmente um comportamento complexo.
Existem diferentes tipos de comportamento, alguns mais fáceis de manejar e outros mais difíceis – como a preocupação. Mas, sendo um comportamento, sempre é possível mudar.
Preocupar-se em excesso é um comportamento difícil de mudar por ter uma função de auto-reforço. Ao me preocupar, crio uma ilusão de certeza, previsibilidade e controle sobre a possível situação tema das minhas preocupações.
E o caminho para mudar esse hábito é um tanto contraintuitivo.
Quem, em sua melhor ideia, pensaria que, para resolver essa sobrecarga mental, o que precisa ser feito é desapegar, ao invés de buscar por mais informações?
Principalmente quando o movimento de buscar por mais informações, mais saídas, mais soluções, momentaneamente gera uma sensação de alívio.
Se preocupar demais não é um problema de falta de informação – sobre como resolver, como lidar, como evitar -, mas sim de aprender a tolerar incertezas e o desconforto envolvido naquilo que não está ao nosso alcance.
O caminho para mudar este hábito persistente
Um lembrete necessário:
Se faz anos que você mantém o padrão de se preocupar demais, não será em algumas semanas que isso vai mudar.
É mais provável que demore alguns bons meses.
É possível também que, no processo, você sinta dificuldade e queira desistir, achando que, para você, não será possível mudar. Mas isso não é verdade.
No início, você vai se sentir perdido, vai achar que está fazendo errado, vai pensar que não levará a nada – e todas essas sensações são esperadas. Até que, aos poucos, você notará que está se tornando mais fácil, quase natural, essa nova forma de lidar com as suas preocupações.
Sabe, deixar de se preocupar demais é quase como uma mudança de identidade.
Até então, você mesmo, e as pessoas à sua volta, o viam como alguém que se estressa fácil, que pensa demais, que não consegue levar as coisas com leveza. E agora você está buscando um caminho para se tornar uma pessoa diferente.
E essa é não é uma tarefa fácil, mas fico feliz por você ter escolhido esse caminho.
Eu sei como é melhor viver do outro lado.
Vamos falar sobre como você pode chegar lá.
(1) Adquira clareza sobre o que você deseja mudar
Muitas pessoas têm dificuldade de mudar por não possuírem uma compreensão profunda sobre o próprio comportamento.
Percebo isso quando as pessoas chegam para os primeiros atendimentos em psicoterapia.
“Já me falaram que eu deveria fazer isso aqui, mas não deu certo.”
“Consegui me organizar diferente por um tempo, mas depois tudo foi por água baixo.”
E então, como conduzo?
Junto com o paciente, busco entender como aquela dificuldade se desenvolveu e, principalmente, o que a tem mantido, para que até então, sozinho, ele não tenha conseguido mudar.
E é exatamente isso que você precisa fazer.
Entenda se o padrão de pensar demais veio de um modelo da sua família – será que os seus pais eram pessoas ansiosas?
Quais eventos da sua vida parecem ter influenciado para que você passasse a se comportar dessa forma?
O que te levou para o caminho da preocupação em excesso?
Busque informações sobre o passado, mas não se apegue tanto a isso. Você não precisa saber tudo nos mínimos detalhes. Um pouco mais de clareza já é o suficiente.
Agora, a maior parte do trabalho ocorre no momento presente.
Procure entender quando você costuma se preocupar demais: existe alguma situação em específico que desperta esse padrão? O que geralmente está envolvido nessas situações?
Qual costuma ser o tema das suas preocupações? O que você normalmente está tentando resolver ao se preocupar?
Tem algum horário do dia que isso geralmente ocorre (ao final do dia, antes de dormir, no trabalho)?
Um aviso para que esses questionamentos não virem contexto para um momento de preocupação em excesso: você não precisa ter 100% de clareza logo de início.
Reflita por um tempo e registre em algum lugar – escrever ajuda a organizar o raciocínio e a diminuir o ritmo dos pensamentos.
Essa é apenas uma etapa inicial. Conforme os dias forem passando, você vai conseguindo observar e registrar mais informações. É aos poucos que você constrói clareza sobre o seu próprio comportamento, não tudo de uma vez.
(2) Não busque controlar, tente redirecionar
A pior coisa que você pode tentar fazer é controlar os seus próprios pensamentos. Sem perceber, essa é uma estratégia que acaba aumentando ainda mais o fluxo de pensamentos.
É como aquela brincadeira:
Não pense no elefante rosa.
Sério, não é para imaginar um elefante rosa.
Pare com isso, eu disse para não pensar em um elefante rosa!
E aí, quantas vezes você imaginou um elefante rosa?
Percebe como é difícil controlar o que pensamos?
Tentar controlar as próprias preocupações segue um caminho parecido com o que acabei de fazer, ao pedir que você não pensasse no elefante rosa. Troque por “pare de pensar sobre isso” e verá um ciclo muito semelhante acontecendo.
Ao invés de tentar controlar, busque redirecionar a sua atenção e deixar o fluxo de pensamentos seguir o seu caminho.
Você pode imaginar como se houvesse um rio na sua mente, onde os pensamentos navegam.
Deixe as preocupações fluírem por esse rio e busque algo para redirecionar a sua atenção: ler, ouvir uma música que você gosta, fazer uma atividade física… qualquer coisa.
Se você perceber que se fixou novamente em algum pensamento preocupado, não se reprima por isso. Apenas coloque o pensamento de volta no rio e deixe que a correnteza se encarregue de levá-lo embora.
Lembre-se dessa metáfora do rio na próxima vez que se sentir sobrecarregado pelos seus próprios pensamentos.
(3) Separe em categorias
Existem dois tipos de preocupação: produtivas e improdutivas.
Entender isso me ajudou a ser mais habilidosa em redirecionar os pensamentos quando eles começam a me sobrecarregar.
Apenas penso comigo mesma: essa é uma preocupação improdutiva, não tem nada que você possa fazer, o que estava ao seu alcance já foi feito.
E, então, busco algo para redirecionar a minha atenção.
Para que você também possa fazer esse movimento, primeiro é precisa entender as diferenças entre essas duas categorias de preocupação.
Preocupações improdutivas geralmente focam em problemas mais distantes e abstratos. Além disso, aquilo que está ao nosso alcance fazer tem pouca ou nenhuma influência sobre o evento.
E há um ponto central nas preocupações improdutivas: a busca por certeza.
A certeza de que aquilo que escolhermos fazer irá resolver o que nos preocupa. E, como não podemos ter completa segurança sobre o resultado, não conseguimos chegar à uma solução, e o ciclo de preocupações continua.
É quase como a ideia de cortar a cabeça de uma Hidra – dragão da mitologia grega que tinha a capacidade de regenerar cabeças. Quando uma de suas cabeças era cortada, nasciam três no lugar.
Aqui, quando você acha que chegou a uma solução, aparecem mais dúvidas e preocupações sobre o possível resultado. E, então, você se preocupa ainda mais.
Nesse cenário, é fácil prever como entramos em um ciclo elevado de ansiedade e sofrimento – mais uma característica das preocupações improdutivas.
Agora, preocupações produtivas são aquelas orientadas à tarefa. Elas envolvem a busca por alternativas que possam resolver o problema, aceitando um certo nível de risco e dúvida sobre o resultado.
Nesse caso, o foco está em problemas mais imediatos e claros, e a ação que escolhermos pode exercer algum controle ou influência sobre o desfecho da situação.
Tente relembrar algumas das situações que você vivenciou recentemente e identificar qual tipo de preocupação estava em cena. Será que você seguiu um ciclo de preocupações improdutivas, tentando responder a vários “e se..” que surgiram?
Busque lembrar também de momentos em que conduziu suas preocupações de forma produtiva – situações em que conseguiu organizar o seu raciocínio para resolver algo, focando ao que estava ao seu alcance no momento e aceitando que não encontraria uma solução perfeita.
Daqui para frente, sempre que perceber um ciclo de preocupações iniciando, procure identificar qual tipo de preocupação está presente. Assim, você se tornará mais habilidoso em conduzir o curso dos seus pensamentos antes que eles te sobrecarreguem.
(4) Mude o significado
“Se eu não me planejar assim, as coisas vão dar muito errado”.
Esse pensamento já passou pela sua cabeça enquanto você refletia sobre mudar o hábito de se preocupar demais?
Na primeira newsletter, conversamos sobre como não devemos acreditar em tudo o que pensamos. Pensar não torna algo verdadeiro.
Nessa crença de que, ao se preocupar e planejar menos, o resultado será muito ruim, sua avaliação provavelmente está sendo distorcida pela balança desequilibrada que você carrega. A balança entre a avaliação do problema e o quanto você acredita ser capaz de enfrentar as situações.
Percebe que, se essa ideia fosse verdadeira, todas as pessoas seriam extremamente preocupadas? E, nesse caso, estaríamos discutindo como desenvolver a habilidade de pensar excessivamente para se tornar um melhor resolvedor de problemas!
Para mudar o hábito de se preocupar demais, é necessário enfraquecer essa interpretação. E, para isso, você precisa testá-la na prática.
Ouvir alguém apresentar uma perspectiva diferente é uma coisa; terá um determinado efeito sobre o seu comportamento. Agora, se expor, testar e reorganizar sua própria interpretação com base na sua experiência terá um efeito muito mais significativo.
Você pode começar aos poucos, para que seja mais fácil.
Escolha uma situação simples, algo que envolva menos riscos, e, seguindo o que conversamos aqui, tente não planejar tanto.
Pense um pouco, decida o que fazer, aceite a incerteza envolvida e aguarde para ver o resultado.
Teste isso algumas vezes.
Depois, reavalie: a ideia de que as coisas dariam muito errado por planejar menos era realmente verdadeira como você acreditava quando começamos essa conversa?
(5) Equilibre a balança
O primeiro passo para equilibrar a balança que alimenta as preocupações em excesso foi o que conversamos há pouco: mudar o significado envolvido no hábito de se preocupar.
Contudo, você tem mais trabalho pela frente, se deseja encontrar um equilíbrio saudável: outras ideias para questionar, testar e reorganizar.
Primeiro, você já reparou que, provavelmente, com certa frequência, exagera os riscos dos problemas que enfrenta?
Eu sei como é invalidante ouvir alguém dizer: “Você está exagerando”, “Não é tudo isso”, “Não é tão difícil assim”.
Mas, em certos momentos, depois que a situação se resolveu, você não percebeu como realmente foi mais tranquilo do que imaginava?
De início, não era dessa forma que você estava percebendo. Muito provavelmente, o outro lado da balança – o quanto você acredita ser capaz de enfrentar as situações – aumentava o risco percebido. Mas, depois que você viu que teve capacidade para lidar bem com a situação, o risco avaliado inicialmente pareceu exagerado.
Falar em balança da preocupação não é apenas uma metáfora; é realmente um sistema que se regula em conjunto.
Quanto mais você exagera os riscos, menos você se sente capaz em lidar.
Quanto mais capaz você se sente de enfrentar o problema, menor ele parece.
Por isso, questione mais a forma que você percebe os problemas e situações desafiadoras na sua vida. Será que é realmente tudo isso? Será que estou exagerando? O que de pior imagino que possa acontecer? Esse é um cenário provável?
Além disso, questione também o quanto você acredita ser capaz de lidar com essas situações. Se o pior que imagino ocorrer, o que eu poderia fazer? Como eu poderia lidar? Se isso que me preocupa acontecer, como irei conduzir?
Reavaliar as suas interpretações é um passo inicial para se sentir mais capaz de lidar com as situações que você enfrenta. O que irá sedimentar essa nova forma de enxergar a si mesmo é se expor, fazer uma reavaliação positiva sobre a maneira como você conduziu as situações e, assim, aprimorar o seu repertório para lidar com situações difíceis e resolver problemas.
(6) Foque no momento atual
Se conectar com o presente é tirar o fio condutor das preocupações da tomada.
A preocupação nunca está no momento atual; ela está sempre adiantando o futuro ou relembrando o passado. Por isso, se conectar com o momento atual é encontrar a sua zona de paz.
“Você fala como se fosse fácil” – posso apostar que esse pensamento intrusivo, ao ler esse primeiro parágrafo, apareceu por aí.
Sim, não é fácil. E, provavelmente, alguém já passou essa orientação para você antes e não foi útil.
Receber essa orientação de maneira isolada, sem entender e colocar em prática tudo o que conversamos antes, é como colocar um band-aid barato sobre um corte profundo.
Você falhou ao tentar colocar essa ideia em prática em outro momento por três motivos:
- Focar no momento atual teve o intuito de controlar as suas preocupações (algo que, agora, você sabe ser completamente inefetivo).
- Deixar de se preocupar parecia tornar a situação mais desafiadora (você ainda não havia questionado a crença de que deixar de pensar demais aumenta o risco da situação).
- Você enxergou essa orientação como uma forma de nunca mais se preocupar em excesso (agora, você sabe que a mudança não ocorre de uma hora para outra).
Colocar o foco no momento presente significa deliberadamente prestar atenção ao que está à sua volta.
Tentar identificar quais sons você pode ouvir.
O que você pode observar ao seu redor.
Quais as sensações que o seu corpo pode sentir.
Não precisa ser nada muito elaborado. O principal é assumir uma postura mais observadora e menos julgadora.
Lembre-se de que pensamentos são apenas pensamentos: eles vêm e, da mesma forma que chegam, vão embora, se você decidir não se apegar a eles.
Ao tentar colocar esse exercício em prática, caso apareça alguma tentativa de controle, o clássico: “Para de pensar sobre isso”, lembre-se de não fazer um autojulgamento. Apenas deposite esse pensamento no rio de fluxo de pensamentos e deixe ir, redirecionando a sua atenção para o que está a sua volta.
(7) Não gaste neurônios à toa
Pensar demais não é um problema de falta de informação, mas de falta de ação.
Tentamos imaginar, com o máximo de detalhes possíveis, qual será o resultado daquilo que escolhermos fazer.
Essa é uma forma de tentar evitar possíveis desconfortos.
Mas veja que interessante: estamos tentando evitar um desconforto no futuro, gerando um grande desconforto no presente – sofrer por pensar demais e não conseguir agir.
Um pequeno ajuste para mudar as coisas nesse contexto é buscar feedback, ao invés de querer estar preparado para tudo.
Enquanto você buscar ter certeza, continuará no mesmo lugar e sofrerá mais do que precisaria.
Pense, planeje e execute.
Veja qual foi o resultado, ajuste conforme o necessário.
Aprenda com o processo, não queira dominar aquilo que você ainda não tem informações o suficiente.
Obrigada por ter lido. Espero que tenha ajudado!
Se quiser, compartilhe algum trecho que gostou e me marque.
Ana