“Você tem que trabalhar suas crenças limitantes”
“Você precisa acreditar mais em si mesmo”
“É tudo uma questão de mindset”
Eu sei que você já ouviu isso por aí de algum amigo, mentor ou coach no Instagram. E não está totalmente errado, mas é o mesmo que pedir que você faça um bolo sem ter a receita ou os ingredientes.
Se eu pensar diferente, então vou me sentir melhor e as coisas vão dar certo.
Se eu misturar ovo, farinha e fermento, então terei um bolo.
Faz sentido, mas ainda falta muita coisa. Percebe?
Hoje quero falar sobre uma parte que muitos ignoram quando buscam investir em autodesenvolvimento.
E isso se resume a uma coisa: entender as histórias que você conta para você mesmo.
O discurso que você carrega
Histórias ajudam a dar sentido às nossas experiências. É assim que compreendemos e assimilamos o mundo.
Nascemos sem um roteiro definido. À medida que interagimos com o mundo, nossas experiências moldam a forma como enxergamos a nós mesmos, os outros e a vida.
Vamos pensar em algo que aconteceu com você no contexto de relacionamentos. Uma primeira experiência ainda na infância ou no ensino fundamental: um amigo que traiu sua confiança, se afastou sem motivo aparente ou, talvez, você tenha tido dificuldade em fazer amizades e passado boa parte da infância sozinho.
Essas experiências iniciais influenciaram a forma como você encara os relacionamentos.
Depois, talvez tenha tido um primeiro namoro, que começou bem, mas terminou de forma dolorosa. Com o tempo, novas experiências reforçaram essa visão – e hoje, sem perceber, você pode carregar crenças formadas há anos.
Vamos para outro exemplo.
As ideias que você tem sobre si mesmo: o quanto se sente capaz de ser bem-sucedido, reconhecido ou feliz. A maneira como olha para si e se sente confortável ou desconfortável com o que enxerga. O quanto acredita que pode manter relacionamentos saudáveis. Tudo isso são histórias construídas e reforçadas ao longo da sua vida.
O mesmo acontece com a sua relação com o dinheiro. Suas primeiras experiências financeiras deixaram marcas. Outras vieram e acrescentaram novos significados. E assim, aos poucos, se formou o discurso que você reproduz hoje.
Seus medos também nasceram assim. Uma experiência negativa pode ter distorcido sua percepção, e novas vivências reforçaram essa visão até que ela se tornasse parte da sua narrativa atual.
As suas primeiras experiências no mundo construíram histórias que influenciaram sua trajetória e moldaram os discursos que você mantém hoje. É por isso que, em terapia, muitas vezes buscamos entender o passado. Investigamos experiências marcantes que moldaram a forma como interagimos com nós mesmos, os outros e o mundo.
Compreender a origem desses discursos pode ajudar a reformular narrativas que impedem você de viver com mais leveza e satisfação
Mas o principal trabalho não ocorre no passado – afinal, não podemos mudar o que aconteceu. O ponto central está em compreender por que esses discursos ainda estão sendo mantidos e fortalecidos por você.
O que você precisa ser capaz de enxergar para mudar a perspectiva que tem adotado para a sua vida?
Um sistema que se retroalimenta
Talvez você esteja se perguntando como passou tanto tempo repetindo histórias que dificultam sua vida.
Ou, quem sabe, você nunca tenha pensado nisso antes, e esta é a primeira vez que você está refletindo sobre como o que você fala para si impacta a sua vida positiva ou negativamente.
As histórias que contamos para nós mesmos estão tão enraizadas que, muitas vezes, nem percebemos seu impacto.
Isso ocorre devido a um sistema que se retroalimenta.

Observe como as cinco áreas dessa imagem estão interligadas. As setas mostram como cada área influencia nas demais.
Os eventos ao seu redor geram interpretações que moldam sua percepção. Esses pensamentos podem influenciar em como você se sente (tanto física quanto emocionalmente) e na maneira como você se comporta. E, por fim, o seu comportamento também pode modificar o ambiente e os eventos na sua vida.
Compreender como esses cinco aspectos interagem pode ajudar a perceber como os discursos que você carrega hoje foram sendo construídos e reforçados.
Imagine alguém que cresceu em uma família onde o desempenho sempre foi cobrado. Digamos que essa pessoa ouviu durante boa parte da vida que deveria se esforçar ao máximo, fazer o melhor que pudesse, ser melhor que os outros e não cometer erros.
Hoje, diante de uma apresentação de trabalho (ambiente), essa pessoa pode pensar: “não posso cometer nenhum erro, preciso ser perfeito” (pensamento). Esse pensamento pode levá-la a ficar acordada até tarde organizando a apresentação e revisando o material diversas vezes (comportamento). Agir dessa forma pode aumentar ainda mais a autocobrança e contribuir para o aumento da ansiedade (humor), além disso, a falta de sono e o aumento da ansiedade podem contribuir para a diminuição da concentração (reações físicas). Com a ansiedade elevada, cansaço e pouca concentração, o desempenho no trabalho pode ser comprometido (ambiente).
Esse desempenho abaixo do esperado acaba reforçando ainda mais os discursos que essa pessoa repete para si mesma: “Preciso me esforçar mais”, “Não posso cometer erros”, “Não sou bom o suficiente”.
Quanto mais esse ciclo se repete, mais forte ele se torna.
É assim que padrões que atrapalham nossa vida se mantêm e nos impedem de viver aquilo que desejamos.
Vou compartilhar um exemplo pessoal: uma dificuldade que enfrentei antes de criar esta newsletter.
Durante o ensino médio, escrever sempre foi um desafio. Eu encarava a página em branco, tentava lembrar o que o professor havia ensinado e, com muito esforço, conseguia construir o meu texto (ambiente). Até pouco tempo atrás, eu achava que escrevia mal (pensamento). Quando tentava escrever um novo post para o Instagram (ambiente), com frequência, me sentia ansiosa e irritada (humor) e, por me sentir assim, tentava fazer as coisas rapidamente para finalizar logo (comportamento). Às vezes, eu acabava demorando mais do que precisava (comportamento), o que aumentava ainda mais a minha irritação (humor).
Mas o principal, o que reforçava esse ciclo e mantinha o meu discurso de “não escrevo bem” ativo, vinha na hora de revisar o que eu havia escrito. Os erros que encontrava eram vistos como uma evidência concreta de que realmente não escrevia bem.
Até que, ao estudar sobre escrita, entendi que a reescrita é parte essencial do processo de construção de um bom texto. O que antes era interpretado como uma prova de que “não escrevo bem”, passou a ser visto como uma etapa natural do processo.
Se eu não tivesse mudado esse ciclo, talvez essa conversa nem estivesse acontecendo. É assim que as histórias que contamos para nós mesmos podem atrapalhar nossos sonhos e projetos.
E você, quantos projetos tem adiado pelas histórias que tem contado para si mesmo?
Quais mudanças tem iniciado, mas encontrado dificuldades em manter por causa da visão que você carrega de si mesmo?
De que forma suas histórias podem estar sustentando padrões que te prejudicam?
Modificando o seu discurso
Falei sobre como mudar o meu próprio discurso foi essencial para começar essa newsletter. Se as coisas tivessem sido diferentes, provavelmente estaria me sentindo frustrada comigo mesma.
Iniciar esse projeto me aproxima dos planos que tenho para minha carreira.
E para você, quais são as consequências de continuar repetindo certas histórias na sua vida?
O que você pode estar perdendo por não conseguir adotar uma nova perspectiva?
Para mudar as histórias que você conta para si, comece entendendo melhor o seu próprio discurso.
Responda:
Eu não consigo porque ___________ (preencha com o que vem à sua mente).
Eu não consigo manter um relacionamento por que ______.
Eu não consigo confiar nas pessoas por que ______.
Eu não consigo ter sucesso por que ______.
Eu não consigo ser mais confiante por que ______.
Eu não me sinto bem comigo mesmo por que ______.
Eu não consigo mudar por que ______.
Eu não consigo deixar de me preocupar com o que os outros pensam sobre mim por que _____.
Escreva o que vier à sua mente e se aprofunde nas respostas. Continue perguntando “por quê?” até sentir que entendeu melhor o seu funcionamento.
Esse é o primeiro passo.
Para entender melhor o que tem sustentado essas histórias, vale olhar para as cinco áreas que influenciam seu funcionamento.
Reveja o modelo de 5 partes e identifique:
(1) Situações de vida (ambiente): eventos marcantes que podem ter reforçado e projetado algumas das suas histórias. Pense em situações que tenham acontecido com você no último ano, nos últimos três anos, nos últimos cinco anos e na sua infância.
(2) Pensamentos: quais pensamentos interferem em coisas que você gostaria de fazer ou acha que deveria fazer? Quando você se sente ansioso, desanimado, estressado ou diante de outra emoção intensa, quais pensamentos tem sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o seu futuro?
(3) Estados de humor: quais palavras descrevem emoções intensas que você vivencia com frequência (triste, nervoso, inseguro, desmotivado, culpado, ansioso)?
(4) Reações físicas: diante desses estados de humor, você costuma ter alguma reação física (perda de energia, coração acelerado, dificuldade para respirar, dificuldade para dormir)?
(5) Comportamentos: quais ações estão conectadas com a maneira como você pensa e se sente em certos momentos (evitação, procrastinação, brigas, sobrecarga de atividades)?
Identificar essas cinco partes pode ajudá-lo a entender melhor as dificuldades que enfrenta e a encontrar formas de promover mudanças positivas na sua vida.
Uma estratégia para começar a modificar as coisas é aprender a questionar o seu próprio discurso. Ao fazer isso, você estará atuando na parte dos pensamentos e, como todas as áreas estão interligadas, essa mudança refletirá também nas outras partes.
Vou usar o meu próprio exemplo para ilustrar essa estratégia. Algumas das perguntas que lembro de ter feito quando estava buscando modificar a ideia de que não escrevia bem:
- Será que eu realmente não escrevo bem, ou será que encontrar erros de gramática e trechos que podem ser melhor organizados faz parte do processo de escrita?
- Será que as pessoas irão julgar que não escrevo bem ou prestarão mais atenção ao conteúdo que estou tentando compartilhar? E caso julguem, será que eu ficarei sabendo?
- Pensar em melhorar minha escrita me impede de começar com o que sei agora? Será que não posso me desenvolver ao longo do caminho?
Questionar meu discurso me permitiu adotar uma perspectiva mais flexível sobre meu desempenho e seguir em frente com meu projeto.
Para dar ainda mais força a essa nova perspectiva, você pode buscar pequenas provas que validem essa nova ideia.
Quando mantemos um discurso fixo, colocamos um filtro na forma como vemos as coisas.
Se acredito que escrevo mal, vou focar mais nos meus erros e desconsiderar feedbacks positivos.
Se acredito não ser capaz de mudar, vou dar mais atenção aos meus erros do que aos avanços que faço.
Se acredito não ser bom o suficiente, vou procurar eventos que confirmem essa visão.
Esse processo acontece quase automaticamente. Mas assim como fico sensível ao que confirma certos discursos prejudiciais, também posso, intencionalmente, perceber eventos que contradigam essas ideias e fortaleçam uma nova perspectiva.
Com 1% disso, todos os dias, ao longo do tempo, você perceberá novas histórias sendo contadas por você.
Fortalecendo as suas novas histórias
Se você mora ou já visitou Florianópolis, provavelmente já ouviu falar da trilha da Lagoinha do Leste. Talvez essa seja a trilha mais conhecida da ilha.
Como muitas pessoas fazem essa trilha ao longo do ano, ela está bem demarcada. Mesmo alguém fazendo a trilha pela primeira vez, sem um guia, teria facilidade de chegar ao final e acessar a praia.
As histórias que você construiu sobre si ao longo da vida foram reforçadas tantas vezes que se tornaram trilhas bem marcadas. Basta o evento A ocorrer para a interpretação B surgir automaticamente, desencadeando uma série de respostas físicas, emocionais e comportamentais.
Ao ajustar a sua perspectiva, você está, basicamente, abrindo um novo caminho. Criando uma nova trilha. Você espera que, daqui para frente, quando o evento A ocorrer, sua interpretação seja diferente — mais flexível, mais realista, mais alinhada com a forma como deseja conduzir sua vida.
No início, esse trabalho será cansativo, como abrir uma nova trilha em meio à mata fechada. Mas, com o tempo e a repetição, esse novo caminho ficará mais marcado, e sua nova perspectiva se tornará cada vez mais automática.
Isso significa que a antiga trilha deixará de existir? Não.
Por isso, ajustar as histórias que você conta para si é um trabalho contínuo de construção e manutenção.
Porém, com o tempo, você se torna mais hábil em perceber e ajustar a rota sempre que necessário, mantendo seu funcionamento mais alinhado com o que te permite viver bem.
Mudar a forma como você se vê e interpreta sua história não acontece de uma vez só, mas a cada pequena escolha de olhar por um novo ângulo. Quanto mais você pratica, mais fácil se torna trilhar esse novo caminho. E com o tempo, essa nova perspectiva deixa de ser apenas um esforço e passa a fazer parte de quem você é.
Obrigada por ter lido. Espero ter proporcionado boas reflexões e futuras mudanças positivas para a sua vida.
Até a próxima semana!
Ana