Os hábitos mais prejudiciais são aqueles que você nem percebe o quanto te fazem mal.
Há certos comportamentos que mantemos e sabemos não ser a opção mais saudável. Porém, sabemos as consequências e aceitamos que iremos bancá-las.
Este é um acordo justo.
Agora, comportamentos que mantemos sem perceber o quão prejudiciais são, funcionam como assinar um contrato com cláusulas ocultas, tão bem disfarçadas que passam despercebidas.
Você ainda não sabe, mas terá um custo além do esperado.
Reclamar é um desses comportamentos de contrato sujo.
E como sei que você quer viver uma vida boa, vamos falar sobre isso.
O que esperamos alcançar ao reclamar?
Eu costumava me queixar demais. Reclamava sobre diversas coisas em boa parte do dia.
Acho que o meu período de maior reclamação foi no final da faculdade e início da minha carreira na clínica.
Lembro que, no penúltimo semestre da graduação, precisei cursar uma matéria de psicanálise que havia deixado para trás. Nunca gostei de psicanálise. Até me esforcei nos primeiros semestres para ao menos conhecer a obra de Freud, que foi muito significativa para o desenvolvimento da Psicologia, mas nunca fez sentido para mim.
Posso apostar que, se tivéssemos nos encontrado naquela época, eu contaria como as coisas estavam indo e, claro, aproveitaria para reclamar um pouco dessa matéria.
Na época, meu intuito ao reclamar era compartilhar o desconforto, esperando que isso aliviasse um pouco a situação. Esse é um dos motivos pelos quais normalmente nos queixamos.
Reclamar mexe na balança do conforto/desconforto e, por um breve momento, sentimos alívio. É uma relação previsível. A preocupação tem um efeito parecido. Ambos são comportamentos de auto-reforço – apenas por executá-los, sentimos um alívio imediato.
O problema é que não percebemos o quanto podemos estar produzindo o efeito contrário. Por um breve momento, sentimos alívio, mas no médio e longo prazo, ampliamos o desconforto da situação.
Por repetir diversas vezes – ninguém reclama de algo apenas uma vez, convenhamos – reforçamos ainda mais as interpretações negativas que temos diante da situação. E, consequentemente, aumentamos ainda mais o nosso sofrimento.
Outra situação que lembro me queixar nessa época foi a dificuldade de planejar uma formatura no período logo após a pandemia. Nesse caso, acho que ao reclamar estava buscando soluções para os problemas que apareciam. Hoje, tenho clareza disso. Na época, eu parecia reclamar apenas por reclamar.
O problema de reclamar demais é que isso pode nos fazer sentir ainda mais impotentes. Quando nos queixamos sem buscar soluções e sem olhar para o que está ao nosso alcance, reforçamos a sensação de desamparo e tornamos o problema maior do que realmente é.
Talvez você leia essas situações e pense: “Não me parece tão ruim assim”.
E, sinceramente, relembrando agora junto com você, também acho que não parece grande coisa. Mas, comparando minha vida de antes com a de agora, percebo como as coisas costumavam ser mais pesadas.
Claro que várias coisas mudaram por aqui, mas certos problemas permanecem. Não foram as situações em si que mudaram completamente, mas a minha maneira de perceber e lidar com aquilo que me incomoda.
Essa é mais uma consequência inesperada de reclamar com frequência: adicionar um filtro negativo à forma como enxergamos a vida.
Nada do que é prejudicial começa grande.
Você começa reclamando sobre uma matéria que não gostaria de estar fazendo e a dificuldade em fazer parte da comissão de formatura. Porém, logo está reclamando sobre o ônibus que sempre atrasa, o calor, não gostar de dias de chuva, precisar acordar cedo, pessoas que andam devagar na sua frente, amigos que demoram para responder… e a lista continua.
Com o tempo, você se torna cada vez melhor em notar padrões negativos no seu dia a dia e em interpretar as circunstâncias como piores do que realmente são. Aos poucos, começa a filtrar sua visão de modo a buscar situações que confirmem algo que já acredita ser verdade: “Tudo na minha vida é difícil” ou “Minha vida está muito complicada.”
Então em resumo, quando reclamamos, estamos buscando:
- Aliviar algum desconforto,
- Resolver alguma situação,
- Ser compreendidos em nossas dores.
Mas as consequências que acompanham esse hábito, aquelas que não esperamos e pioram a nossa qualidade de vida, são:
- Aumentar nosso próprio desconforto e sensação de desamparo,
- Diminuir nossa capacidade de buscar soluções,
- Reforçar um viés negativo sobre a vida,
- Aumentar o estresse e a ansiedade,
- Piorar nossas relações – afinal, é difícil conviver com uma pessoa reclamona.
Você é quem define a medida
Será possível viver sem reclamar?
Talvez para os grandes monges budistas, sim.
Se for um monge que adotou um voto de silêncio, mais fácil ainda!
Mas para nós, pessoas comuns, o objetivo não é eliminar totalmente as reclamações, e sim ajustar a frequência com que nos queixamos – justamente para não alimentar um viés negativo sobre a vida.
Outro ponto importante é não deixar que as reclamações impeçam você de agir para melhorar aquilo que está ao seu alcance. Reclamar costuma ser sinônimo de falta de ação, funcionando como um substituto para ela. Mas e se, em vez de reclamar, você simplesmente permitisse sentir a energia desconfortável envolvida no que te incomoda, sem tentar se livrar dela imediatamente?
Isso exige coragem, mas permite que você canalize essa energia para algo mais útil.
Em outras palavras, deixe o sentimento desconfortável – aquele que levaria você a reclamar – ser a sua motivação para uma ação que produzirá um resultado positivo.
Confesso que essa foi a habilidade que mais tive dificuldade em desenvolver: aceitar o desconforto, em vez de querer logo me livrar dele. O efeito negativo de desabafar com alguém próximo está tão bem disfarçado pelo alívio momentâneo que fica difícil perceber.
Lembro que, várias vezes, diante de alguma insatisfação eu mandava mensagem para a minha irmã ou para o meu namorado. Sou uma pessoa de áudios longos, então eles já podiam esperar uma mensagem de três minutos (ou mais), narrando a situação e reclamando. Até que percebi que esse comportamento me fazia perder tempo, me deixava mais agitada e desconfortável com a situação e era, na verdade, uma tentativa de evitar o sentimento negativo.
Foi então que busquei mudar. Identifiquei quais situações que eram gatilho para esse ciclo e, quando a próxima ocorreu, resisti ao impulso de mandar mensagem. Lembro que algo que me ajudou no início foi escrever o que estava pensando e sentindo – isso me ajudava a organizar o raciocínio e repensar a perspectiva que estava adotando sobre o ocorrido.
Ao lidar dessa forma, percebi que, em muitos momentos, eu fazia algo parecer maior do que realmente era. Além disso, me tornei mais hábil em buscar soluções (quando havia algo a ser resolvido), aceitar meus erros (aprendendo com eles em vez de querer apagá-los) e entender que sentimentos desconfortáveis fazem parte da vida. Eles não são tão prejudiciais como pensamos – desde que nos autorizemos senti-los, em vez de tentar nos livrar deles a qualquer custo.
Com essa experiência, não quero dizer que não podemos, vez ou outra, conversar com pessoas significativas sobre o que nos aflige apenas para aliviar o peso da situação. De novo, ninguém aqui tem como objetivo virar um monge budista ou um grande mestre estóico. Meu ponto é apenas trazer clareza para que você possa avaliar os impactos desse hábito na sua vida e encontrar a medida que considera ideal para você.
Mas há uma mudança de perspectiva sobre a reclamação que considero extremamente benéfica – e essa acho que você deveria adotar:
Deixe a reclamação – e o sentimento desconfortável que leva à reclamação – cumprirem a sua função primordial: ser o alerta de que algo está errado e de que você pode (e deve) fazer algo a respeito.
Quando abrimos espaço para sentimentos desconfortáveis, reclamamos menos. Assumimos uma postura mais madura diante da vida e, consequentemente, nos tornamos mais resolutivos em relação ao que nos aflige. E isso nos leva a viver com mais qualidade.
O sofrimento pode ser diverso, mas as soluções são finitas
Diversas coisas podem causar sofrimento – e isso cabe a cada um julgar. O que é difícil para um, pode ser fácil para outro. O que parece penoso para um, pode parecer supérfluo para outro. A situação em si pouco importa. O mais significativo, o aspecto central, é como faz você se sentir.
Avaliar as fontes que causam sofrimento para você é um ponto delicado. Pode levar a invalidação emocional por parte de pessoas importantes na sua vida e, às vezes, até de você para com você mesmo: “é besteira me sentir assim”, “não deveria me importar tanto com isso”, “não deveria sofrer com isso ainda hoje”.
A verdade é que ninguém escolhe deliberadamente ter dificuldade para gerenciar certos sentimentos ou situações, e somente você pode julgar como se sente. Por isso, é injusto que outros tentem avaliar quando e com o que você deveria sofrer ou se importar.
Os sofrimentos podem ser diversos, mas as soluções para lidar com eles são finitas – esta é uma perspectiva que a autora da Terapia Comportamental Dialética (DBT), Marsha Lineham, apresentou dentro de sua teoria. À primeira vista, pode parece estranho enxergar as coisas dessa forma. O mais lógico seria pensar que, se existem diversos sofrimentos, também deveriam existir diversas soluções. Mas, se tentarmos categorizar, você perceberá que por mais que as suas ações sejam diversas elas se encaixam dentro de quatro categorias: buscar solucionar o problema, modificar como você se sente em relação ao problema, aprender a tolerar ou continuar sofrendo (e, talvez, até mesmo piorar as coisas).
Perceber as coisas dessa forma tem como objetivo aumentar a nossa resiliência e ajudar na construção de uma vida que valha a pena ser vivida.
Como adotar uma postura madura e resolutiva diante do sofrimento (independente do tamanho dele)
Um lembrete importante: um pré-requisito para conseguir adotar uma postura madura e resolutiva diante do sofrimento é a aceitação, tudo começa por aí. Você precisa estar aberto para experiências internas desconfortáveis e não querer fugir ou evitá-las ao máximo, elas fazem parte da vida, é preciso fazer as pazes com este fato.
E pensando nas habilidades que vamos conversar a seguir, é importante que você esteja atento para não acabar utilizando algumas delas como forma de evitar o que sente – não é esse o objetivo. Além disso, como conversamos mais para o início, é preciso “sentar” com o desconforto por um tempo para compreendê-lo melhor e, assim, tomar decisões mais acertadas.
Nem todo desconforto precisa de uma solução, vez ou outra, o que precisamos fazer é apenas esperar passar. Mas, para chegar a essa conclusão, você precisa ser capaz de aceitar as experiências internas negativas. Olhar, escutar, vivenciá-las, para então entender qual postura adotar.
E isso requer coragem. Mas eu acredito que você é capaz.
Buscando uma solução
Esta semana, ouvi uma analogia interessante: buzina não é freio. Isso significa que reclamar, fazer barulho e querer ser visto não impede que você bata o carro. O que realmente evita o acidente é uma ação prática: pisar no freio.
Da mesma forma, reclamar apenas por reclamar, sem buscar uma solução, é pouco efetivo. Faz com que você continue sofrendo ou, em alguns casos, até piore a situação.
A busca por soluções envolve 5 passos:
- Identificar o problema a ser resolvido
Tenha clareza sobre qual situação está impactando negativamente o seu dia a dia.
Analise o contexto e tente entender o que não está funcionando e por que isso está acontecendo. Observe sua participação na situação e o comportamento das outras pessoas envolvidas.
- Construir ideias
A partir da análise do problema, faça um brainstorming. Levante o máximo de possibilidades que conseguir para resolvê-lo, sem se preocupar, neste momento, com a viabilidade de cada uma.
Pense em ações que você pode tomar para gerar impacto, seja modificando seu próprio comportamento, seja dando feedback e solicitando mudanças a outras pessoas envolvidas
- Explorar essas ideias
Agora, pese os prós e contras de cada opção listada.
Avalie os custos e benefícios de cada escolha, lembrando que nenhuma decisão é perfeita – sempre haverá algum custo envolvido.
Outro ponto essencial é concentrar-se no que está ao seu alcance. Não tente controlar o comportamento dos outros ou garantir um resultado específico.
Colocar em prática uma ideia para solucionar um problema envolve aceitar a incerteza sobre o resultado final. Você pode minimizar riscos ao analisar bem as opções, mas o desfecho nunca será totalmente previsível. Você precisa aceitar este fato para conseguir agir e não ficar preso no processo de decisão.
- Colocar em prática
Depois de avaliar suas possibilidades, escolha uma ação e coloque-a em prática.
- Avaliar e acompanhar o resultado (ajustando, se necessário)
Após implementar a solução, observe os resultados imediatos e acompanhe as mudanças ao longo do tempo.
Dependendo da complexidade do problema, evite criar expectativas irreais – como resolver tudo em uma única conversa. Mudanças significativas exigem tempo e esforço.
Caso perceba que a solução não foi suficiente ou que o problema voltou a ocorrer, retome a primeira etapa e faça ajustes.
Modificar nossos sentimentos em relação ao problema
Nem sempre é possível encontrar uma solução externa.
Às vezes, o que mantém nosso sofrimento não é a situação em si, mas a forma como a interpretamos.
Será que a história que você tem contado si mesmo está mais negativa do que precisaria?
“Não há nada que possa ser feito”, “isso sempre acontece comigo”, “as coisas nunca vão melhorar”
Será que você está sofrendo excessivamente por querer mudar algo que não está ao seu alcance?
“Ele/ela não deveria agir assim”, “não deveria ser assim”
Será que, sem perceber, você tem adotado uma postura vitimista diante da vida?
“As coisas nunca dão certo pra mim”, “parece que só eu passo por isso”, “é injusto que ele/ela faça isso”
Se você já tentou resolver o problema e ainda assim continuou sofrendo, talvez seja hora de ajustar sua perspectiva.
Em nada adianta o contexto mudar, se o seu padrão ao perceber e interpretar as coisas continuar o mesmo. Você sempre encontrará uma nova fonte de insatisfação.
Principalmente se você tende a ver as coisas sob um filtro negativo, tenta controlar o que não está ao seu alcance ou adota uma postura de vitimismo diante da vida.
A autorresponsabilidade envolve reconhecer que, em alguns momentos, nossa própria perspectiva pode estar tornando as coisas mais difíceis do que realmente são.
Se, apesar de todos os seus esforços, o sofrimento persiste, talvez seja o momento de revisar o filtro com o qual você tem enxergado a vida.
Tolerando momentos difíceis (ninguém que ser infeliz)
Dependendo da forma com que você lidar com o sofrimento, pode se assemelhar a tentar lutar contra um poço de areia movediça.
É preciso aprender a atravessar momentos difíceis sem piorar as coisas. Dias ou períodos ruins são inevitáveis, a dor e o mal-estar fazem parte da vida – não podem ser totalmente evitados ou eliminados.
Porém, quando o sofrimento deixa de ser algo eventual e se torna uma constante, é um alerta de que você pode precisar de ajuda. Nesse caso, considere buscar terapia.
Mas e nos momentos difíceis inevitáveis? Como lidar com eles sem transformá-los em um sofrimento prolongado?
O primeiro passo é lembrar que dias ruins são passageiros – não serão uma constante na sua vida. Ter isso em mente ajuda a evitar que você entre em um ciclo de desesperança.
Falamos muito nesta edição sobre a abertura para o desconforto e o quanto pode ser prejudicial tentar livrar-se, a qualquer custo, das experiências internas negativas. Isso terá um preço. Quando você está em uma maré de sofrimento, pode parecer um preço que você está disposto a pagar, mas será que, quando a maré passar – e ela vai passar -, você conseguirá lidar com as consequências das suas ações?
A resposta para essa pergunta pode ser o que transforma o sofrimento em uma constante na sua vida. Por isso, é tão importante aprender a tolerar esses momentos sem piorar as coisas.
Em um momento de crise – situação passageira que envolve um alto nível de estresse -, para não tornar as coisas mais difíceis para si mesmo, tente:
- Não reagir. Tem momentos que o melhor a ser feito é… nada. Você não precisa fingir que está bem, mas também não precisa fazer do sofrimento um grande evento. Apenas faça o mínimo necessário para seguir com o seu dia até que a situação passe.
- Alterar a fisiologia corporal. Lavar o rosto com água fria, tomar um banho, fazer exercício intenso, regular a respiração ou utilizar alguma técnica de relaxamento. Emoções intensas desencadeiam certas reações físicas no organismo – ao regular seu corpo, você pode regular como se sente.
- Busque algo para distrair a sua atenção.
- Use os cinco sentidos para acalmar-se. Liste: 5 coisas que você pode ver, 4 coisas que você pode tocar, 3 coisas que você pode ouvir, 2 coisas que pode cheirar e 1 coisa que pode sentir o gosto.
Depois que a crise passar, trabalhe para aceitar a realidade como ela é. Boa parte da dificuldade em tolerar momentos difíceis vem da resistência ao que não podemos mudar.
Em vez de continuar reclamando e lutando contra a realidade, aceite as coisas como elas são. A vida pode valer a pena mesmo com seus eventos difíceis – rejeitar a sua realidade não irá modificá-la.
“Não queira que as coisas aconteçam de acordo com seus desejos, mas deseje que elas aconteçam como devem acontecer. Assim, sua vida fluirá suavemente.” – Epicteto
Obrigada por ler. Tenha um bom final de semana!
Ana